sexta-feira, 24 de agosto de 2012
Nelson Rodrigues : Cem anos do mestre da crônica esportiva
Hoje ,dia 24 de agosto de 2012, um mestre da crônica esportiva , um monstro na arte de escrever faria cem anos: Nelson Rodrigues. Um craque na arte de escrever texto ,de fazer de um jogo de futebol uma história digna dos melhores filmes estadunidenses. Que criava personagens e dava asas a imaginação do leitor, tornando ainda mais emocionante o prazer de um jogo de futebol.Em suas crônicas, o escritor e dramaturgo(também importante para a arte brasileira em geral)criava personagens como o Sobrenatural de Almeida e o Gravatinha, e se eternizou com um estilo único de se fazer crônicas esportivas.
Nelson gostava da emoção e tinha sua forma de contar a história de um jogo,odiava o que ele chamava de idiotas da objetividade, e sempre enaltecia o seu amado Fluminense , o time que ele dedicou a maior parte de suas crônicas, incluindo a última sobre o título estadual de 1980, a última emoção de Nelson como torcedor.
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A última Crônica de Nelson Rodrigues:
“Amigos, em futebol, nunca houve uma vitória improvisada. Tem sido assim através dos tempos.
Foi uma doce e santa vitória. Vocês viram como aconteceu o nosso triunfo. Foi uma tarde maravilhosa.
Tudo começou há seis mil anos atrás. Vocês compreenderam? Podia ser o Flamengo, o Botafogo, o Vasco ou outro, mas estava escrito que a arrancada era tricolor.
Há quarenta anos antes do nada, Nelsinho foi chamado. E foi tão fulminante sua presença no túnel tricolor que merecia ser carregado numa bandeja com uma maça na boca.
Amigos, os idiotas da objetividade custaram a perceber a evidência ululante, segundo a qual seríamos campeões.Eu lhes falei do Roberto Arruda. Pois o Arruda, desde o primeiro jogo do campeonato, me procurou dizendo: – “Seremos campeões”. E neste domingo, o Arruda telefonou para dizer uma única e escassa frase: – “Ninguém nos tira a vitória”.
E desde o primeiro momento do jogo, ficou claro que a vitória era tricolor. Foi 1 x 0 mas poderia ser dois ou três.O Edinho fez o gol e o Fluminense em vez de recuar para garantir o resultado partiu para cima do Vasco como um leão faminto de mais gols.
E vocês viram: nosso adversário não pode esboçar a menor reação.
Gostaria de falar dos campeões. O Fluminense tem um elenco fabuloso do goleiro ao ponta-esquerda, e só os lorpas e pascácios não veem que o futebol brasileiro está encarnado nos craques tricolores”.
Mas Nelson também falava sobre o esporte em geral e devido a relação com seu irmão Mario Filho ,nutria também uma profunda admiração pelo Flamengo,ajudando também a promover a mística do Fla-Flu, que nasceu um pouco antes de Nelson ,também em 1912. Na minha opinião Nelson, foi o tricolor mais flamenguista que já existiu, tamanha admiração que demonstrava em suas crônicas. E Nelson nunca escondeu seu amor pelo Flu, mas acima de tudo amava o futebol bonito bem jogado, e torna isso ainda mais bonito com suas histórias e personagens. Nelson inspirou gerações e com certeza é referência quando o assunto é escrever sobre esporte.Parabéns Nelson, que sua obra siga venerada pelos próximos cem anos.
Crônica de Nelson Rodrigues sobre o Flamengo:
Corria o ano de 1911. Vejam vocês: — 1911! O bigode do kaiser estava, então, em plena vigência; Mata-Hari, com um seio só, ateava paixões e suicídios; e as mulheres, aqui e alhures, usavam umas ancas imensas e intransportáveis. Aliás, diga-se de passagem: — é impossível não ter uma funda nostalgia dos quadris anteriores à Primeira Grande Guerra. Uma menina de catorze anos para atravessar uma porta tinha que se pôr de perfil. Convenhamos: — grande época! grande época!
Pois bem. Foi em 1911, tempo dos cabelos compridos e dos espartilhos, das valsas em primeira audição e do busto unilateral de Mata-Hari, que nasceu o Flamengo.* Em tempo retifico: — nasceu a seção terrestre do Flamengo. De fato, o clube de regatas já existia, já começava a tecer a sua camoniana tradição náutica. Em 1911, aconteceu uma briga no Fluminense. Discute daqui, dali, e é possível que tenha havido tapa, nome feio, o diabo. Conclusão: — cindiu-se o Fluminense e a dissidência, ainda esbravejante, ainda ululante, foi fundar, no Flamengo de regatas, o Flamengo de futebol.
Naquele tempo tudo era diferente. Por exemplo: — a torcida tinha uma ênfase, uma grandiloqüência de ópera. E acontecia esta coisa sublime: — quando havia um gol, as mulheres rolavam em ataques. Eis o que empobrece liricamente o futebol atual: — a inexistência do histerismo feminino. Difícil, muito difícil, achar-se uma torcedora histérica. Por sua vez, os homens torciam como espanhóis de anedota. E os jogadores? Ah, os jogadores! A bola tinha uma importância relativa ou nula. Quantas vezes o craque esquecia a pelota e saía em frente, ceifando, dizimando, assassinando canelas, rins, tórax e baços adversários? Hoje, o homem está muito desvirilizado e já não aceita a ferocidade dos velhos tempos. Mas raciocinemos: — em 1911, ninguém bebia um copo d’água sem paixão.
Passou-se. E o Flamengo joga, hoje, com a mesma alma de 1911. Admite, é claro, as convenções disciplinares que o futebol moderno exige. Mas o comportamento interior, a gana, a garra, o élan são perfeitamente inatuais. Essa fixação no tempo explica a tremenda força rubro-negra. Note-se: — não se trata de um fenômeno apenas do jogador. Mas do torcedor também. Aliás, time e torcida completam-se numa integração definitiva. O adepto de qualquer outro clube recebe um gol, uma derrota, com uma tristeza maior ou menor, que não afeta as raízes do ser. O torcedor rubronegro, não. Se entra um gol adversário, ele se crispa, ele arqueja, ele vidra os olhos, ele agoniza, ele sangra como um césar apunhalado. Também é de 911, da mentalidade anterior à Primeira Grande Guerra, o amor às cores do clube. Para qualquer um, a camisa vale tanto quanto uma gravata. Não para o Flamengo. Para o Flamengo, a camisa é tudo. Já tem acontecido várias vezes o seguinte: — quando o time não dá nada, a camisa é içada, desfraldada, por invisíveis mãos. Adversários, juizes, bandeirinhas tremem então, intimidados, acovardados, batidos. Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnicos, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E, diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável.
[Manchete Esportiva, 26/11/1955]
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